segunda-feira, julho 12, 2010

Fotógrafo lambe-lambe

Muitas ocupações desapareceram com o tempo ou possuem demanda mais reduzida. O resgate histórico dessas profissões descreve o perfil da sociedade de uma época. Alguns profissionais ainda conseguem encontrar lugar ao sol com persistência e criatividade!

fotografo-lambe-lambe
Todas as reviravoltas, pelas quais o mundo passa, fazem com que as formas de produção e de trabalho se modifiquem, a fim de se adaptarem a essas novas realidades. Assim, muitas profissões e ocupações acabam desaparecendo; outras vão surgindo e algumas, ainda, transformam-se conforme os novos contextos.
Outro dia passeando com minha filha em uma praça de São Paulo, ficamos encantadas com a figura de um lambe-lambe, que há muito tempo não via, nem ouvia falar. Ela, então, nem sabia o que era e quando expliquei o que aquele homem fazia, ficou dias e dias me perguntando detalhes daquela profissão. Me arrependi de não tirar uma foto de nós duas pra registrar o momento, pois estava com pressa. Sua curiosidade, como um efeito dominó, aguçou a minha também e fui buscar informações sobre este trabalho envolto numa aura de romantismo, tão comum na época de meus avós, e como resistiu que ainda persiste até os dias de hoje.
O fotógrafo lambe-lambe, também conhecido como fotógrafo de jardim, por utilizar muitas vezes um jardim para o fundo das fotos, é um profissional em extinção. Hoje existem poucos em atividade, principalmente nos centros das grandes cidades. O alto custo e a dificuldade para encontrar o material fotográfico, a popularização de máquinas fotográficas, inclusive as digitais, e a insegurança nas praças - com a conseqüente queda de freqüência nos locais públicos -, têm contribuído para a escassez de lambe-lambes na cidade.
O ofício era uma tradição familiar, passada de pai para filho, entretanto, as gerações mais recentes não quiseram assumir o trabalho, por não gerar muito dinheiro. No começo do século 20 o cenário era bem diferente do atual para estes fotógrafos. Em cada canto da cidade havia um tripé com um caixote, um pano escuro e filas de pessoas esperando a vez para serem retratadas por profissionais que desempenhavam um papel importante na popularização da fotografia no Brasil.
A atividade se iniciou no começo do século XX como contraponto aos caríssimos estúdios fotográficos que existiam nas grandes cidades. Fotógrafos ambulantes ficavam nas grandes praças ou percorrendo as periferias das cidades oferecendo os serviços de fotografia; Os clientes mais comuns eram famílias que queriam um retrato de todos os seus membros ou o registro de crianças. Apesar da classe dominante não ter prestigiado a produção nem a atividade profissional do fotógrafo lambe-lambe, ele soube tornar possível o sonho da classe média emergente da época, dos imigrantes e da população em geral, que queria, através das fotografias, levar informação aos parentes e às pessoas queridas, bem como concretizar o desejo de se contemplar na imagem. Existem algumas versões que explicam a origem do termo lambe-lambe. O historiador Boris Kossoy, em O Fotógrafo Ambulante - a história da fotografia nas praças de São Paulo explica algumas delas. Segundo alguns, lambia-se a placa de vidro para saber qual era o lado da emulsão. Outros diziam que se lambia a chapa para fixá-la. Porém a origem mais viável parece estar ligada ao processo da ferrotipia: depois de feita a revelação, o fotógrafo lambia a chapa de ferro, coberta por uma camada de asfalto, fazendo com que a imagem se destacasse do fundo preto pela ação do cloreto de sódio presente na saliva.
Seu equipamento unia a câmera ao laboratório. A máquina dos lambe-lambe é conhecida entre eles por máquina-caixote, por ser semelhante a um pequeno caixote. São externamente revestidas com couro cru, madeira ou metal. Há ainda a camisa preta, espécie de saco negro pendurado na máquina, com três aberturas: dois orifícios para os braços e um para enfiar a cabeça na hora de bater e revelar as fotografias. A função da camisa é proteger as fotografias de qualquer tipo de claridade.
A fotografia, sempre em preto-e-branco, era revelada no interior do caixote, sem a necessidade levar o filme ao laboratório. Ao todo, eram necessários 15 minutos no processo. A máquina é utilizada para tirar fotografias e serve também para mostruário. Suas laterais são cobertas de fotos. Todo fotógrafo lambe-lambe estende próximo à máquina uma cordinha onde coloca as fotos para secar. Num balde de plástico contendo água limpa, ele lava as fotos quando retiradas do fixador e revelador. Uma tesoura é essencial para separar as fotografias e acertar o tamanho a gosto do freguês. Há ainda um paletó e uma gravata para serem emprestados aos jovens que não dispõem dessas peças.

É uma pena que com o passar dos anos, com a introdução de novas tecnologias se perca coisas tão valiosas para a nossa história, perdendo-se assim também momentos extremamente felizes.
Ainda vou voltar naquela praça com minha filha para tirarmos o retrato que faltou, espero que seja logo, espero que seja importante, espero que seja feliz!
Bjs

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